A Relevância da RESILIÊNCIA nos esportes de ALTO RENDIMENTO
Você já teve a oportunidade de se familiarizar com o conceito de resiliência? Você compreende sua essência?
O termo “resiliência” tem sua origem na física e é empregado para descrever a capacidade de certos materiais em retornar à sua forma original mesmo após serem expostos a condições extremas e adversas, como danos e rupturas.
Transpondo essa perspectiva para o desenvolvimento humano, a palavra resiliência provém do latim “resilire”, que significa “voltar atrás”. Nesse contexto, ela alude à habilidade do indivíduo de lidar com seus próprios problemas, sobreviver e superar momentos de dificuldade extrema, recusando-se a ceder à pressão independentemente da situação. Resiliência é a escolha de converter experiências negativas em aprendizado e oportunidades de transformação e crescimento, representando a capacidade de se reerguer diante das adversidades e prosseguir.
Uma pessoa resiliente demonstra habilidade para enfrentar crises, traumas, problemas, perdas e desafios, abordando cada situação de forma elaborada e se recuperando diante delas. O indivíduo resiliente utiliza sua flexibilidade e capacidade de adaptação para criar soluções alternativas, empregando a criatividade como ferramenta para superar obstáculos.
E como podemos avaliar a resiliência no contexto esportivo?
Atletas de alto rendimento costumam ser admirados como fontes de inspiração, força e resiliência, destacando-se não apenas por suas conquistas, medalhas e recordes quebrados, mas também por sua capacidade de superar desafios. Historicamente, revelar vulnerabilidades no cenário esportivo não era bem visto nem aceito.
Contudo, recentemente, tem havido uma mudança significativa no tratamento da saúde mental dos atletas. As pessoas estão abordando esse tema com maior frequência, e as vulnerabilidades não são mais consideradas tabu ou sinal de fragilidade.
Adicionalmente, com a crescente importância da Psicologia Esportiva nos contextos esportivos individuais e coletivos, ocorreu uma transformação significativa. Muitos atletas agora contam com acompanhamento psicológico antes, durante e após as competições, aprendendo a gerenciar suas emoções por meio da regulação emocional para lidar com estresse, derrotas, frustrações e os desafios inerentes aos esportes de alto rendimento.
Aqueles atletas que reconhecem a psicologia esportiva como uma ferramenta essencial para seu desenvolvimento e crescimento na carreira estão dedicando esforços diários para manter a calma, aprimorar a concentração, cultivar o foco, praticar mindfulness e desenvolver habilidades para lidar com a pressão e o estresse durante as competições. Além disso, evitam decisões precipitadas ou impulsivas, aprimoram sua inteligência esportiva e emocional, e compreendem a importância da resiliência para enfrentar os altos e baixos da carreira esportiva.
O atleta resiliente é aquele que utiliza sua força mental e recursos internos para enfrentar situações estressantes ou imprevistas, adaptando-se e propondo soluções criativas durante momentos de crise. Eles enxergam essas situações como oportunidades para evoluir, crescer e aprender.
No entanto, como o atleta pode avaliar seu nível de resiliência?
Para isso, é imperativo que o indivíduo se submeta a uma autoanálise, buscando o autoconhecimento ao indagar-se: “Estou me adaptando, identificando e utilizando os recursos necessários para enfrentar meus desafios e situações adversas, mantendo uma estabilidade emocional satisfatória?” E ainda, “Estou demonstrando resiliência em minha vida pessoal e profissional?” É crucial perceber que a capacidade de ser resiliente fora do esporte, na esfera pessoal, não surtirá o efeito desejado se o atleta não conseguir incorporar essa habilidade no contexto esportivo.
O ser humano é uma entidade integrada, logo, o atleta precisa aplicar a resiliência tanto em sua vida pessoal quanto em sua carreira esportiva. Essa prática proporcionará um equilíbrio e estabilidade emocional, capacitando-o a enfrentar as dificuldades que possam surgir, tanto dentro quanto fora do ambiente esportivo.
Um exemplo notável de resiliência é o renomado lutador de MMA, Marlon Sandro, com quem tive o privilégio de compartilhar um dos momentos mais desafiadores de sua vida. Marlon prontamente aceitou meu convite para enriquecer este artigo com sua inspiradora história de superação.
Marlon ostenta a faixa preta 5º Dan de Jiu-Jitsu, é King of Pancrase e ex-campeão do SENGOKU. No entanto, sua jornada de resiliência começou desde a infância, marcada pela ausência do pai biológico e pela vivência de bullying na escola. Testemunhando a violência doméstica, Marlon presenciou sua mãe enfrentando agressões por parte de seu avô, sendo criado em um ambiente familiar tumultuado e disfuncional.
Aos 14 anos, Marlon Sandro começou a se interessar pelo esporte como uma via de escape. Apesar de ter tido a oportunidade de treinar no Clube do Flamengo, viu-se impossibilitado de dar continuidade devido à distância entre sua casa e o clube, além das dificuldades familiares que enfrentava. Essas circunstâncias adversas moldaram sua resiliência e forjaram um caminho extraordinário de superação no mundo das artes marciais.
Em 1994, iniciou sua jornada no Jiu-Jitsu sob a tutela de Dedé Pederneiras e, simultaneamente, dedicou-se à capoeira com o Mestre Albatroz. No entanto, Marlon optou por concentrar seus esforços no Jiu-Jitsu, seguindo os ensinamentos de seus mestres, Dedé e Rafael Karino. Em 2004, concretizou seu sonho de estrear no vale-tudo, marcando um ponto alto em sua carreira. Em 2009, a oportunidade de lutar no Japão elevou sua visibilidade, transformando-o em uma verdadeira “celebridade”.
Nessa fase, Marlon vivia uma vida conjugal e religiosa, mas em 2011, enfrentou uma separação que desencadeou uma série de mudanças negativas. Sua vida tomou um rumo tumultuado, marcado pelo abuso de álcool e drogas, com gastos excessivos em festas e vida noturna. Em meio a relacionamentos tóxicos, repletos de ciúmes e desconfianças, Marlon tornou-se violento, cometendo atos de agressão física sob a influência de substâncias. Ele mesmo admite: “Passei a ser uma pessoa com características que sempre abominei, afastando-me de minha essência de ser alguém benevolente, solidário e empático”.
Em 2017, Marlon envolveu-se em outro relacionamento prejudicial e abusivo, culminando em uma briga pública que ganhou destaque na imprensa. Expulso da academia na qual dedicou 20 anos de sua carreira, enfrentou problemas legais devido ao incidente, parecendo que sua carreira como atleta estava prestes a ruir devido à intensa exposição.
No ano seguinte, em 2018, Marlon encontrou apoio e redenção ao conhecer sua atual companheira, Lizandra. Ela, ciente de toda a história do lutador, ofereceu apoio integral, e juntos enfrentaram esse período desafiador, incluindo as questões judiciais.
Em 2021, foi emitido um mandado de prisão para Marlon, que optou por permanecer foragido por 9 meses. Antes mesmo da emissão do mandado, Marlon já havia tomado a decisão crucial de não mais atribuir a culpa de seus problemas a terceiros. Ele assumiu a responsabilidade por seus atos e enfrentou suas questões legais de frente. Nesse período, reconectou-se com seu lado espiritual, reequilibrou sua vida e buscou ajuda psicológica, momento em que procurou a minha assistência para iniciar nosso percurso terapêutico.
Marlon acabou sendo detido, passando 4 meses e 15 dias em regime fechado, recebendo uma sentença de um ano e quatro meses. Durante esse tempo, enfrentou todas as etapas do processo, incluindo liberdade condicional e o uso de tornozeleira eletrônica após sua libertação. Ao conquistar a liberdade, recebeu um convite surpreendente de seu Mestre André Pederneiras para integrar a equipe de professores da Equipe Nova União. A oferta de Dedé foi ainda mais inusitada, propondo que Marlon assumisse o treinamento da equipe feminina.
Seria uma espécie de redenção?
Sobre isso, não podemos afirmar com certeza, mas essa pergunta instiga uma reflexão valiosa sobre as “segundas chances”. Marlon agarrou essa oportunidade de imediato, proporcionando-lhe a chance de revelar novamente sua essência e seu talento como mestre. Ele foi calorosamente acolhido pela equipe feminina, estabelecendo vínculos afetivos e saudáveis enquanto lidera o grupo.
Após essa extensa jornada, Marlon conseguiu retomar sua carreira de lutador, algo que, a certa altura, parecia impossível. Aos 46 anos, participou de mais duas lutas profissionais. Continua a treinar, ministrar aulas e, agora, como homem livre, viaja pelo mundo com os atletas da Equipe Nova União. Marlon, após saldar sua dívida com a justiça, teve a oportunidade de recomeçar sua vida, utilizando toda a sua resiliência, força mental e capacidade de superação.
Vale ressaltar que, em suas lutas, Marlon adota o codinome “GLADIADOR”, um epíteto que se encaixa perfeitamente em sua trajetória de vida. A resiliência foi o pilar fundamental que permitiu a Marlon enfrentar todas as adversidades com sabedoria, mostrando ao mundo sua capacidade única de se reinventar.
Publicado em Revista Lutas – A Revista de Lutas do Brasil
Renata Espínola de Carvalho é Psicóloga Clínica e Esportiva, além de Coach Esportiva de Alta Performance. Com especialização em Saúde Mental e Dependência Química, Renata reside atualmente em Portugal e continua a oferecer atendimento online para seus pacientes e atletas no Brasil e em outros países. Para conhecer mais sobre sua trajetória profissional e agendar consultas, acompanhe @renatacarvalhopsicologa.